sexta-feira, outubro 07, 2005

O Conto das Areias

Num lugar distante, nas altas montanhas, nasceu um rio claro e transparente. Ele percorria vales extensos e férteis, até que um dia chegou diante das areias de um imenso deserto.
Ele tinha encontrado muitas dificuldades em toda sua existência, mas sempre soubera como superá-las. Sendo assim, tentou atravessar este último obstáculo do seu jeito habitual.
Suas águas simplesmente desapareciam nas areias, tão rapidamente como ele as lançava. Tentou de todas as formas possíveis até
que o desespero o invadiu.
Foi então que, do fundo da areia, se elevou o murmúrio de uma voz que segredou:
– O vento atravessa o deserto, e o rio pode fazer o mesmo.
– Tudo o que consegui foi me perder um pouco mais a cada tentativa. E estou apenas na borda deste deserto – disse o rio já exausto. O vento pode voar, por isso pode atravessar o deserto.
– Continue a lançar-se com violência, como estava fazendo – disseram-lhe as areias –, e desaparecerá ou se transformará em pântano. Você deve permitir que o vento o leve ao seu destino.
– Mas como posso fazer isso? – perguntou o rio.
– Aceite ser absorvido pelo vento – respondeu o murmúrio.
– E uma vez desaparecido, como recuperar minha identidade? Quando serei novamente um rio?
– O vento, o vento – murmuraram as areias – ele cumprirá sua função.
– Mas, como saber se você diz a verdade?
– gritou o rio.
– É assim – continuou a voz, do fundo das areias. Se você não acredita, se transformará em pântano. E um charco é muito diferente de um rio.
– Mas não posso continuar tal como sou agora? – implorou o rio.
– É impossível – murmuraram as areias. – Você não pode conservar sua forma atual. Mas se sua parte essencial for transportada, voltará a ser um rio.
– Mas – lamentou-se o rio –, nem mesmo sei qual é a minha parte essencial.
Estranhas lembranças lhe faziam eco. Como se alguma parte dele (mas qual?)
tivesse sido levada pelo vento. Parecia que se lembrava de que tudo aquilo devia acontecer-lhe, e que devia cumprir seu destino, mesmo que não tivesse a mínima vontade.
E o rio parou de resistir. Suas águas se elevaram como vapor nos braços acolhedores do vento que as levou muito depressa, muito longe, e as ergueu muito alto, sobre os cimos, até o longínquo reino das montanhas, muito além do deserto.
Então, o rio tomou consciência de seu ser, onde ressoava o eco de uma voz, vinda das areias:
– Nós, as areias, conhecemos o caminho que se estende, dia após dia, desde o fim dos rios até o longínquo reino das montanhas.

Eis por que se diz: o rio da vida tem um caminho, e seu destino está inscrito nas areias.

Um comentário:

Anônimo disse...

Noosssaaaa, essa eu não tinha a menor idéia, muito boa.